Conheça o investidor brasileiro que só investe em "deep tech"
Ele formou um fundo milionário para aportar em startups com negócios baseados em descobertas científicas e grandes inovações.
Quando o engenheiro de computação Guy Perelmuter fez seu mestrado em inteligência artificial, em 1995, no Rio, uma das discussões mais acaloradas era o reconhecimento de padrões em imagens (coisa hoje comum, já que há softwares capazes de identificar até logomarcas em partes pequenas de uma foto no Instagram). Outros tempos. Sem internet em alta velocidade, smartphone e sensores potentes, a aplicação da tecnologia era limitada. Não havia carros autônomos ou internet das coisas a encher os olhos de ninguém.
O jovem de 24 anos acabou, então, indo parar no mercado financeiro, onde o perfil de exatas caía bem também. Afinal, para saber o quanto se pode perder ou não com um investimento, os bancos precisam de quem faça bem as contas. Após mais de 20 anos depois e com passagens pelo Banco Pactual e pela Vinci Partners, o investidor Perelmuter uniu o conhecimento em investimentos com a paixão por inteligência artificial (e tudo que tem a ver com inovações científicas) em um novo trabalho: colocar dinheiro em startups de deep tech.
Deep tech é o termo usado, em geral, para definir jovens empresas cujos negócios estão amparados em descobertas científicas ou inovações tecnológicas que buscam mudar o mundo. A expressão foi criada por Swati Chaturvedi, CEO da companhia de investimentos Propel(x), para diferenciar as startups baseadas em tecnologias existentes (Uber, por exemplo) das que buscam um grande progresso por meio de tecnologias inovadoras (uma startup que tenta desenvolver uma técnica para combater o câncer, por exemplo). São negócios baseados fortemente em matemática, física, biologia ou engenharia.
É nas startups desse segundo grupo que Perelmuter aposta. Por meio de sua empresa de investimentos, a GRIDS Capital, ele formou um fundo de US$ 45 milhões para fazer aportes em jovens companhias das áreas de inteligência artificial, robótica, nanotecnologia, internet das coisas, tecnologia aeroespacial, entre outras. O dinheiro veio de 26 grupos de investidores brasileiros — de family offices a investidores de setores que vão de varejo a agronegócio. (Os nomes não são revelados.)
No momento, seu portfólio inclui 50 startups, todas dos Estados Unidos e Israel. A maior parte delas (18) busca resolver problemas na área da saúde, assunto sobre o qual Perelmuter palestrou na Wired Conference 2018 - Health and Wellness. Discreto, ele prefere não listar as startups nas quais investe (apesar de ter citado a Auris Health). Com Época NEGÓCIOS, o investidor compartilhou sua visão sobre deep tech, critérios de investimento e Brasil. A seguir, os principais trechos.
Você diz optar por investir em inovações que vão causar impacto duradouro. Como saber o que vai causar impacto tão profundo assim?
Não é uma questão de aposta no produto, mas no tipo de tecnologia. Muitas vezes, você não sabe em qual equipamento ou produto deve apostar. Quando a internet surgiu, ninguém podia garantir qual ferramenta de busca daria certo. Havia Altavista, Google, Lycos, Yahoo (Cadê)... Mas todo mundo sabia que uma delas seria duradoura. Existem tecnologias se mostrando tão obviamente necessárias que vários players tentam se qualificar para ser dominantes nessas áreas. Há tendências que a gente sabe que são duradouras. Os sensores, por exemplo, são o novo vetor para o mundo conectado. Qual fabricante vai dominar esse espaço? Vamos ver. Mas sabemos que haverá uma profusão de sensores circulando na cidade, no campo, onde quer que seja. Procuro investir em tendências que vão alterar significativamente a vida das pessoas.
Você diz nunca ter visto tanto interesse por parte dos investidores em direção à área da saúde. O que explica isso?
Há uma convergência de fatores que justificam isso. Para começar, fazer a análise do genoma está virando algo acessível economicamente para pessoas comuns (para identificar genes com predisposição a doenças, por exemplo). Além disso, estamos vendo o uso real de big data para tratar doenças. É que problemas de ordem biológica e bioquímica produzem quantidade enorme de informação e, agora, a gente tem tecnologia para processar e digerir essas informações. Temos equipamentos com capacidade alta de processamento e memória, sensores, smartphones… Isso tudo está mostrando aos investidores que, se tem uma área que nos próximos cinco a dez anos vai apresentar mudanças muito significativas, é a área da saúde. É um setor gigantesco em termos econômicos, porque compreende os laboratórios, as empresas farmacêuticas, as clínicas, os hospitais, os médicos, todo um ecossistema ativo. É a convergência desses elementos tecnológicos individuais com o tamanho do setor e do capital que ele atrai que explica o interesse inédito e crescente dos investidores em startups do segmento de saúde.
Quais são as startups mais interessantes em saúde no momento?
Há várias. A Auris Health (que recebeu investimento da Grids), por exemplo, é uma empresa que está desenvolvendo equipamento para cirurgia robótica sem incisão, usando apenas orifícios naturais do corpo humano. Foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para a realização de endoscopia pulmonar. Trata-se de um braço robótico que navega até o pulmão.
Quais critérios você usa para definir o setor e a startup em que vai investir?
Olho para vários segmentos que parecem prontos para ter bom resultado econômico e cuja barreira de entrada é significativa. Dezoito das nossas 50 startups estão na área da saúde, mas temos investimentos em inteligência artificial, robótica, infraestrutura tecnológica, novos materiais, sensoreamento artificial, internet das coisas… Os fundadores dessas empresas têm, em geral, um perfil acadêmico sólido, com doutorado e, em muitos casos, pós-doutorado no currículo. Eles comandam empreendimentos que têm como base a matemática, a química, a física, a biologia ou engenharia.
Estamos em um processo de “silver tsunami” da população, que será composta por 1,5 bilhão de idosos em 2050. Qual será o papel das startups de deep tech nesse contexto?
O envelhecimento da população será alvo de muitas startups ligadas a “home care” (cuidados em casa), a equipamentos especiais de medição (monitoramento de sinais vitais, por exemplo), impressão de prótese e órgãos, entre outras invenções. Existe um grande interesse por parte dos empreendedores em atacar e prevenir doenças típicas da velhice. Prevenção, aliás, é a grande característica da medicina do século XXI. Há uma hoje uma cultura do check-up, da antecipação dos problemas. Antes, a ideia era remediar. Agora, até mesmo por conta da gravidade das doenças, importa mais evitar que elas se instalem.
Na hora de investir, você considera os riscos éticos que o negócio pode gerar? A mesma startup que identifica genes com defeitos poderia programar embriões sem doenças, por exemplo.
Tecnologia disruptiva é sempre algo muito novo. Essas discussões estão acontecendo. Mas os empreendedores que entrevistamos apresentam antes o uso de caso (onde eles acham que o produto tem aplicação). O empreendedor informa a sua intenção. Ele diz “estou montando isto porque quero criar uma forma menos invasiva de realizar exames em seres humanos”, por exemplo. O risco ético vai ser tão menor quanto melhor você (investidor) conhecer o uso de caso. Há aí um processo de diligência técnica e pessoal.
Seus investimentos estão concentrados em startups dos Estados Unidos e Israel. Não há deep tech no Brasil? Estaria o país fadado a ser apenas usuário dessas tecnologias, e não criador?
O Brasil tem boas escolas, bons alunos e bons professores. Mas o mundo de deep tech exige laboratório. Exige verba governamental para sustentar pesquisa em matemática, física, biologia… Essa é uma preocupação que a gente deveria ter. Não deveríamos ser só espectadores. Deveríamos produzir. O Brasil, de qualquer forma, está no nosso radar.
Fonte: Época Negócios